terça-feira, 25 de janeiro de 2011

Simpósio Temático sobre imigração e etnicidade

083. IMIGRAÇÃO E ETNICIDADE: COMEMORAÇÕES E PROCESSOS DE PRODUÇÃO DE MEMÓRIA

Coordenadores: EMERSON CÉSAR DE CAMPOS (Doutor(a) - UDESC), LUIS FERNANDO BENEDUZI (Pós Doutor(a) - Università Ca' Foscari di Venezia)

Resumo: O fenômeno imigratório, tanto de finais do século XIX quanto da virada do século XX para o XXI, é atravessado por processos contínuos de produção de memória. Tais processos explicitam-se e tornam-se (in)visíveis nos contatos entre as comunidades de acolhida e os imigrantes, trazendo consigo dinâmicas de perda – com relação à terra de partida – e de conflito étnico-cultural entre um “eu” (os grupos de estrangeiros) e um “outro” (os nacionais da terra de chegada). Nesse sentido, os imigrantes organizam estratégias de interação com as populações do país de destino, buscando reelaborar suas identidades – individuais e coletivas que – desde o ato da partida – vivem um processo de diferenciação cultural, deslocando-os para um entre-lugar. As comemorações e as festas, a elaboração de lugares de memória marcados pelo patrimônio material e imaterial, a literatura e os meios de comunicação, todos esses espaços participam de um processo de reconstrução das dinâmicas imigratórias e de leituras entrecruzadas pela dupla desterritorialização: a experiência de expatriação e a vivência na nova terra. Se os diferentes eventos comemorativos trazem à lembrança os acontecimentos passados, eles também constroem a memória sobre as experiências individuais e coletivas, produzindo a sensação de um eterno continuum histórico entre o passado e o presente. As diferentes comunidades de imigrantes acabam se encontrando e se percebendo enquanto grupo nos atos de celebração da experiência imigratória, muitas vezes lida e recriada em uma chave de leitura epopéica. Dessa forma, o presente simpósio tem por objetivo, considerando a temática principal que norteia o XXVI Simpósio Nacional da Anpuh, trazer à discussão as diferentes dinâmicas presentes nas festas e comemorações que envolvem os processos imigratórios e que – funcionando como espaços de produção de memória – consolidam a auto-representação do grupo e a sua representação enquanto alteridade, em inter-relações tensas, (in)completas e (des)contínuas com a terra de chegada. Justificativa: A problemática imigratória tem assumido cada vez maior importância em nível nacional e internacional. No Brasil, observa-se – nos últimos três anos – um aumento das políticas públicas relacionadas aos brasileiros no exterior, população estimada em mais de três milhões de pessoas. Além da criação da Subsecretaria Geral das Comunidades Brasileiras no Exterior, vinculada ao Ministério das Relações Exteriores, dedicada a pensar a experiência migratória brasileira e as condições daqueles que vivem fora do Brasil, que desde 2008 tem organizado anualmente conferências relativas à emigração, experimentou-se – em novembro de 2010 – a eleição do Conselho de Representantes de Brasileiros no Exterior. Dessa forma, a tradicional imagem do país como terra de imigração, pensando nos diferentes grupos que desembarcaram no Brasil entre os séculos XIX e XX, vem sofrendo uma grande transformação, sendo envolvida em uma dupla face: o espaço nacional é marcado não apenas por chegadas, mas também por partidas. Ao mesmo tempo, esse fenômeno contemporâneo da migração internacional de indivíduos tem criado uma forte preocupação nos países europeus e nos Estados Unidos, produzindo preconceitos e uma sensação de “terra invadida” e culturalmente “violentada”. As relações entre um “eu” nacional (vinculado a uma determinada cultura nacional) e um “outro” (invasor) estão na ordem do dia nas nações do antigo primeiro mundo, e afloram em outras nações a exemplo da “Lei de Imigração Arizona”, nos Estados Unidos. Nesse processo conflituoso, as diferentes comunidades de imigrantes reelaboram-se a partir de velhas e novas comemorações grupais, desde a reedição de antigas festas da terra nativa até a construção de novos festejos que consolidam a unicidade do coletivo.

Por outro lado, também a imigração histórica produz e produziu comemorações que ressaltaram a positividade étnica e que construíram uma epopeia da imigração. Destacando a dureza do deslocamento e as agruras dos primeiros tempos, as terceiras e quartas gerações reforçaram o panorama da vitória conquistada pelos “pioneiros”, que colaboraram fortemente na elaboração da auto-representação do grupo, o qual se entende como portador dessas qualidades. As comemorações que vêm sendo organizadas nas três últimas décadas em torno dessa idéia de “pioneirismo” acentuaram as disputas no campo da memória sobre os imigrantes no Brasil, caso flagrante entre os descendentes de italianos (mas também entre japoneses, alemães e outros), conduzindo o trabalho dos historiadores sempre mais em direção ao estudo das narrativas mnemônicas e, também, de seus usos políticos. Assim, os lugares praticados (Certeau, 1994) nas comemorações – centenários, festas de família e outras – invocam e tensionam as idéias que produzimos sobre os processos imigratórios, nos quais a etnicidade é ainda uma das mais vincadas manifestações. È necessário frisar que as comemorações citadas se produzem em ordenamentos sociais complexos o que tornam seus estudos mais instigantes e desafiadores.

Por fim, no que concerne às identidades étnicas, ressalta-se a importância da busca de um enraizamento local, tendo em vista um profundo processo mundial de globalização. Em uma sociedade que constantemente se diversifica e complexifica, juntamente com uma forte dinâmica de despersonalização, a procura por um conjunto comum de pontos de referência torna-se importante na manutenção do sentimento de pertença a alguma coisa, a algum lugar, a algum grupo originário. Assim, a discussão desse tipo de problemática adquire grande relevância na medida em que questões identitárias são articuladas com um contexto maior, evitando a polarização de discussões bairristas que levariam a um processo de fragmentação político-social.

Bibliografia

AUGÉ, Marc. Rovine e Maccerie. Il senso del tempo. Torino: Bollati Boringhieri, 2004.

BENEDUZI, Luis Fernando. Identidad híbrida: dinámicas migratorias brasileñas en la Italia contemporánea, Naveg@américa - Revista electónica de la Asociación Española de Americanistas, v.2, n. 3, 2009, pp. 1-15, 2009.

______. Caminhos da Memória: uma análise de percursos da italianidade no Rio Grande do Sul. Estudos Ibero-Americanos. vol. 35 (1), 2009, pp. 40-55, 2009.

______. Patrimônio cultural, memória e identidade: uma leitura de sinais sensíveis do passado In: PESAVENTO, Sandra et al. (org.). Sensibilidadese sociabilidades: perspectivas de Pesquisa. Goiânia: Editora d a Universidade Católica de Goias, 2008.

CAMPOS, Emerson César; ASSIS, G. O.. De volta para Casa: a reconstrução de identidades de emigrantes retornados. Tempo e Argumento - Revista do Programa de Pós-Graduação em História, v. 1, p. 80-99, 2009.

CAMPOS, Emerson César de. O FUTURO DO PRETÉRITO: Um aniversário bem festejado. In: Territórios Deslizantes: recortes, miscelâneas e exibições na cidade contemporânea – Criciúma (SC) (1980-2002). Florianópolis, 2003. Tese (Doutorado em História) – Centro de Filosofia e CiênciasHumanas,Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis.

CERTEAU, Michel de. A Invenção do Cotidiano. Petrópolis: Vozes, 1994.

HALBWACHS, Maurice. Les cadres sociaux de la mémoire. Paris: Édition Albin Michel, 1994.

HUYSSEN, Andreas. Seduzidos pela memória: arquitetura, monumentos, mídia.São Paulo: Aeroplano, 2003.

ISTVÁN, Jancsó; KANTOR, Iris. Festa, cultura e sociabilidade na América.São Paulo: EDUSP, 2001.

NORA, Pierre. Les Lieux de la Mémoire. Paris: Gallimard, 1997.

RICOEUR, Paul. La memoria, la storia, l’oblio. Milano: Raffaello Cortina Editore, 2003

SAYAD, Abdelmalek. A Imigração ou os paradoxos da alteridade. Tradução de Cristina Murachco. São Paulo: EDUSP, 1998

Fonte GT Estudos Étnicos - ANPHU/RS

Extraído do site do XXVI SIMPÓSIO NACIONAL HISTÓRIA - ANPHU 50 anos.

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